"Na realidade, cada dificuldade que surge no caminho dos nossos bons propósitos nos põe à prova. É um teste de sinceridade. Porque a dificuldade, incitando-nos a desistir ou a recuar, obriga-nos a tomar uma posição, a determinar se queremos ou não. Com efeito, cada dificuldade provoca uma certa hesitação, e por isso mesmo nos exige uma decisão. A nossa vontade deverá inclinar-se ou pelo lado do ideal moral – dos valores e das virtudes cristãs – ou pelo lado da facilidade."
"As virtudes não consistem em sentimentos, e menos ainda em sentimentalismos, mas em bons hábitos práticos, que devem ser vividos em todas as circunstâncias, favoráveis ou adversas."
. Exemplos de como nossas dificuldades concretas exigem a prática de alguma virtude concreta:
1. Uma dificuldade econômica pode
introduzir numa família uma fumaça asfixiante, que vai penetrando nos corações,
desgastando a paciência e envenenando os nervos, até transformar o convívio num
inferno de apreensões, queixas e mau humor. Pelo contrário, em outra família
construída sobre o alicerce da fé e do amor, a mesma dificuldade financeira
pode ser o grande momento de união, em que todos aceitam o sacrifício sem um
lamento, apoiando-se mutuamente e procurando tornar mais amável a vida dos outros,
ao mesmo tempo que cobrem com um sorriso o seu próprio sofrimento.
2. Suponhamos que estamos passando por
uma situação de excesso de trabalho, que nos faz sentir angustiados. O tempo de
que dispomos parece insuficiente para embutir nele tudo o que é preciso fazer.
Essa circunstância, essa dificuldade, está provavelmente marcando o momento em
que se nos pede que pratiquemos melhor do que nunca a virtude da ordem, que
aprimoremos os ritmos de trabalho e a intensidade com que aproveitamos o tempo.
3. O problema pode ser uma dificuldade
familiar. O filho, que até agora nunca tinha causado preocupação, torna-se
problemático: não quer estudar, revolta-se contra as menores indicações dos
pais, e há fortes suspeitas de que a turma com que anda está envolvida em
drogas... Essa dificuldade pode ser o sinal forte de que é preciso que os pais
se deem mais ao filho, amadurecendo nas virtudes que tornam eficaz a sua ajuda:
mais compreensão, mais diálogo, dedicação de tempo mais sacrificada.
4. Assim, por exemplo, para o sensual
dominado pela luxúria, a maior dificuldade será ter de enfrentar a proposta de
um amor fiel e sacrificado, feito de generosa doação... Justamente aquilo que é
o ideal amável para um coração puro e reto. O casamento, para o primeiro, não
deixará de ser uma fonte de problemas e restrições, que chegará a julgar
insuportáveis. É isso o que produz a falsificação do amor; é o resultado de uma
falsa meta na vida. Pensemos no preguiçoso. De que dificuldades se queixa? Para
começar, e de modo global, queixa-se de que as coisas custam: custa pensar,
custa trabalhar, custa cumprir o dever. Atrás de cada um dos «custa» do
preguiçoso, poderíamos colocar o nome de alguma virtude, que o cristão aprende
a amar: diligência, ordem, responsabilidade, abnegação... Todas elas são metas
boas para quem está dentro do verdadeiro caminho da vida. Para o preguiçoso,
são aborrecimentos e incômodos, porque se desviou para uma meta falsa: o
bem-estar comodista.
5. Imaginemos um pai de família que um
belo dia se propõe sair do seu proverbial mutismo e ultrapassar as habituais
respostas monossilábicas e secas. Tenta, mais ou menos desajeitadamente, dizer
umas palavras especialmente amáveis à esposa e aos filhos. Não se sabe se pelo
insólito do caso, ou porque o diabo meteu o rabo, o fato é que mulher e filhos
reagem mal: “Você não se sente bem?”, “Pai, o que é que deu no senhor?”
Imediatamente, o pai-caramujo, ferido nas suas melhores intenções, sente o
irresistível impulso de se enfiar no mais profundo da sua carapaça e dizer:
nunca mais!... Se, no exemplo do pai de família acima mencionado, o
protagonista desiste dos seus bons propósitos, estará optando pelo orgulho (não
estará disposto a sofrer uma pequena humilhação pelo bem); pelo contrário, se
persevera no esforço, optará pelos valores cristãos da humildade e do amor; e,
na medida em que prosseguir na luta por melhorar a sua caridade, por abrir um
espaço novo ao amor na rispidez do seu caráter, estará firmando em si uma nova
e mais alta qualidade moral, crescerá em estatura espiritual e se tornará, no
sentido mais profundo e verdadeiro do termo, um homem melhor.
(Excertos retirados da obra O Valor das Dificuldades, de Francisco Faus)
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