sexta-feira, 4 de julho de 2025

Atividade de Criação com Machado de Assis



Veja como é original o capítulo XLV de Memórias Póstumas, onde Brás Cubas fala do enterro de seu pai:

"Soluços, lágrimas, casa armada, veludo preto nos portais, um homem que veio vestir o cadáver, outro que tomou a medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites, convidados que entravam, lentamente, a passo surdo, e apertavam a mão à família, alguns tristes, todos sérios e calados, padre e sacristão, rezas, aspersões d’água benta, o fechar do caixão, a prego e martelo, seis pessoas que o tomam da essa, e o levantam, e o descem a custo pela escada, não obstante os gritos, soluços e novas lágrimas da família, e vão até o coche fúnebre, e o colocam em cima e traspassam e apertam as correias, o rodar do coche, o rodar dos carros, um a um… Isto que parece um simples inventário, eram notas que eu havia tomado para um capítulo triste e vulgar que não escrevo."

Esse capítulo, intitulado "Notas", enumera coisas, ações e circunstâncias relacionadas a um enterro, evitando frases complexas. Como diz o próprio narrador, trata-se de um inventário (enumeração) dos elementos que constituiriam o capítulo e não do capítulo propriamente dito que, aliás, Brás Cubas diz que não escreve. Mas é claro que escreveu: estamos falando dele.

Sua tarefa é escrever um parágrafo semelhante ao de Machado, isto é, constituído por uma enumeração de coisas, ações e circunstâncias não desenvolvidas em orações. Como fez Machado, encerre com uma reflexão que explique como você construiu seu texto. Título para seu trabalho: Carnaval na Avenida.


(Trecho retirado dum antigo livro sobre a obra do Bruxo do Cosme Velho do qual não me lembro o título.)


Jesus Cristo e o Cinema

 



O pequeno livro de Douglas Esteves Moutinho foi uma grata descoberta. Nunca tinha lido nada a respeito das adaptações da vida de Nosso Senhor antes. Eis alguns apontamentos que fiz da obra:


1. Golgotha (1935) 

“Se apropria de Jesus em prol de uma genuína propaganda antissemita.” 


2. O Evangelho Segundo São Mateus (1964) 

“Crítica às diversas interpretações da mensagem de Jesus ao longo dos séculos, que segundo o autor distanciaram a religião cristã da mensagem original de Cristo.”

 • O filme faz parte da lista oficial de filmes recomendados pelo Vaticano.

 • “Pelo conteúdo do filme, não surpreende essa aceitação, pois a obra é bela e facilmente agradaria a cristãos e ateus, pois a sua beleza não reside na força de mensagens dogmáticas, mas sim na mensagem de Jesus.” (pág. 76) 

“A minha ideia é esta: seguir ponto por ponto o Evagelho segundo Mateus, sem fazer um roteiro ou uma adaptação. Traduzi-lo fielmente em imagens, seguindo-o sem qualquer omissão ou acréscimo à narrativa. É uma obra de poesia que quero fazer. Não uma obra religiosa, no sentido vulgar da palavra, nem, de modo algum, uma obra ideológica. Falando de forma bem simples: eu não acredito que Cristo seja filho de Deus, porque não sou crente, pelo menos conscientemente. Mas creio que Cristo é divino, ou seja, acredito que nele a humanidade seja tão elevada, rigorosa e ideal que ultrapassa os termos comuns da humanidade. Por isso, digo ‘poesia’: instrumento irracional para exprimir este meu sentimento irracional em relação a Cristo.” (Pasolini, 1983) 

“A trilha sonora transmite a mensagem de que Cristo veio para todos, pois unia Bach, Mozart, Prokofiev e Anton Werb, bem como músicas originais de Luis Bacalov, spiritual negros, canções revolucionárias e hinos hebraicos.” (pág. 80) 

“Seu Jesus, ao mesmo tempo que se aproxima intimamente ao Jesus bíblico, se apresenta como um líder do povo, flertando comas crenças políticas do autor.” (pág. 81). 


3. Jesus de Nazaré (1977) 

“O produtor do filme, Lew Grade, foi recebido pelo então papa Paulo VI, que o parabenizou pela obra (Moisés: o Legislador) e disse esperar que seu próximo projeto fosse a vida de Jesus.” (pág. 82)

 • Franco Zeffirelli “trabalhou com diretores renomados do neorrealismo, tais como de Sica, Rossellini e Visconti.” (pág. 82) 

O diretor ”desejava realizar uma obra coerente com a crença de todas as pessoas, cristãs e não-cristãs.” (pág. 83) 

“O Jesus foi interpretado por Robert Powell, ator de características norte-europeias, com a justificativa de representar Jesus da forma que os americanos o reconheciam. Tal representação é oriunda de pinturas renascentistas.” 

“O filme foi baseado nos quatro evangelhos, mesclando as suas narrativas, sendo uma espécie de Diatessaron. Tendo o filme essa premissa, foi necessário certo naturalismo ao contar a história. Por isso, inúmeras cenas que não estão nos evangelhos foram criadas para preencher as lacunas da narrativa.” (pág. 86) 

“Podemos dizer que o filme possui um caráter didático e evangelizador por ter sido narrado dessa forma, facilitando a recepção dos evangelhos. Não é por acaso que essa obra é talvez a maior referência bíblica já realizada no cinema.” (pág. 86) 

“Através do longa de Zeffirelli, foi possível que analfabetos e pessoas sem fé ivessem acesso às palavras contidas nos evangelhos. Diferentemente do longa de Pasolini, que se direcionava a um público mais intelectual.” (pág. 86) 


4. A Paixão de Cristo (2004) 

“Quanto a altíssima violência, devemos lembrar da origem da palavra paixão, do grego páthos, que significa sofrimento. Assim sendo, é completamente plausível a escolha da violência para ilustrar o sofrimento de Jesus.” (pág. 88) 

“A Paixão de Cristo foi inspirado não apenas nos evangelhos, como também no livro do Apocalipse (como na cena em que Jesus cai pela segunda vez e encontra o rosto de sua mãe e diz que “todas as coisas se renovam”), como também no Tanakh, além  de na iconografia, como as versões da Via Sacra, o sudário de Turim, obras de Caravaggio e a Pietá de Bouguereau.” (pág. 89) 

“o Livro A Dolorosa Paixão de Nosso Senhor  Jesus Cristo, também auxiliou Gibson com a questão das feridas de Cristo na Via Crucis.” (pág. 89) 

“A memória, a consciência do sofrimento de Cristo é parte de uma ‘pedagogia’ de aprendizado religioso extremamente antiga. Representações iconográficas ao longo de toda a história do cristianismo, mais destacadamente após o ano 1000, na Europa, já traziam o tema do sofrimento. Que dizer do barroco? O catolicismo que herdamos de portugueses e espanhóis era trágico, dramático, impressionante, diferente da devoção aparentemente sem imagens dos protestantes norte-americnos e europeus. Se a violência não está na Bíblia, ela está na cultura religiosa cristã, em vários momentos e espaços. O que um filme dessa temática faz, dentre outras coisas, é recriar símbolos, histórias e diálogos para conformar uma mensagem de sentido existencial e religioso.” (BELLOTTI, Karina. A Paixão de Cristo – A Verdade pela Fantasia)


Link para a compra do livro: https://ecclesiae.com.br/jesus-cristo-e-o-cinema?srsltid=AfmBOoqJ_ouNDAraDb13po9AZPd9iBIuXx2tC2dDnBRSsvWkpzptcpk1

Um poema que nos situa na realidade

 



Eis que, enquanto refletia sobre a importância da História, descubro esse poema sensacional. Tive a mente iluminada de súbito ao lê-lo. Foi como se todas as pontas soltas fossem amarradas e, quase que por mágica, tudo fizesse sentido onde antes era um caos de ideias. A poesia tem esse efeito em nós: organiza o que está tumultuado dentro de nosso ser, dando forma onde antes era matéria bruta.


Tudo aconteceu para que você nascesse 


E para a sua vida quantas vidas
foram necessárias… Pense nos quartos, nas festas,
nas guerras, nas cidades,
tudo que é secretamente seu ontem,
a confabulação milenar que fez
que você fosse.
O seu pai – Teruel, Brunete, o Ebro… –
lendo nessas trincheiras
hexâmetros desfeitos pelo fogo
de morteiro, também seu avô nas difíceis
alturas de Cerdedo ou Pedamúa
com um embornal convulso de perdizes,
teu bisavô em um entardecer
melodioso em Cuba, olhando o mar do Caribe,
vendo, porém, a doce Catalunha,
“Ferro Velho” [apelido do tataravô do poeta] pousando prum daguerreótipo
com leontina e cartola e puro e guarda-chuva,
e os Peix, os Vidal, os Estévez, os Orge,
os Pérez, os Rovira…, todos, com seus ofícios,
suas barbas, mulheres,
seus males, dissipando-se no tempo,
nesse fosso comum do esquecimento…
E avança,
mas penetre na névoa desse séculos,
suponha ser um peregrino
adivinhando Astorga, além, na madrugada,
imagine um mouro ferido, vendo a fuga
da poeira feroz do seu exército,
olhe um homem que estira, em uma rocha,
o couro fedorento de uma loba,
veja os centuriões resplandecentes
em torno da fogueira, e Aníbal e Cartago,
e a mulher sangrando, que arqueja
parindo sobre um feixe de feno, e o hirsuto
pintor de renas e bisões que por machados
médios troca uma fêmea… e tudo aquilo que teve
que acontecer pra que você nascesse
desde que aquelas Mãos amassaram
o barro primitivo. Modelado
também para que dele, esta manhã,
brotasse este poema.

Miguel D'Ors

(Tradução de João Filho) 

Sócrates e o nascimento da Filosofia

 


. A Filosofia surge da relação entre Sócrates e Platão; 

Ordem da Sabedoria que Sócrates criou – Voegelin; 

Sócrates criou uma ordem interna para se contrapor à ordem externa; 

. Projeto Socrático: 

A Sabedoria existe e é alcançável; 

A tensão do indivíduo entre ordem e caos; 

Os nossos atos dão forma a nossa alma; 

A Sabedoria é virtude com conhecimento; 

Pretensão de autodomínio – “Conhece-te a ti mesmo.”; 

Aceitar a realidade;

. Método de Sócrates – imagem do semeador (Fedro) 

. Diálogo – conversa com outros indivíduos (lança sementes); 

1. Limpeza do Terreno: escuta atenta à fala do outro; 

2. Início da Tensão: primeiros questionamentos até a tensão do conhecimento da ignorância; 3. Maiêutica (Teeteto): trazer a consciência ao interlocutor através de perguntas (aquilo que ele sabe); • Estabelecer a Ordem da Sabedoria em si próprio – estudar antes de opinar.

sábado, 28 de junho de 2025

Apologia de Sócrates - Platão

Apontamentos da aula do prof. José Monir Nasser

. Sócrates é um sujeito cujas convicções pessoais vão de encontro aos interesses da cidade/sociedade; 

. Cada um de nós vive esta tensão existencial: um indivíduo que pertence a determinada sociedade; 

. Sócrates declara que a consciência individual tem autonomia perante o meio social – A Filosofia nasce a partir da autonomia da consciência individual; 

. O sacrifício de Sócrates é o que permite o nascimento da Filosofia, pois garante a existência da consciência individual frente ao autoengano coletivo da maioria; 

. A morte de Sócrates é o ato fundador da Filosofia: é o sacrifício que permite que nós possamos continuar a pensar independentemente como pensam os outros. 

. O que Sócrates faz é decretar que há um tipo de saber humano- a Filosofia – cuja luz ilumina o mundo; 

. A apologia de Sócrates confirma duas teses: 

1. Só o sacrifício produz a estabilidade social; 

2. O sacrifício garante a autonomia da consciência individual perante a sociedade. 

. Vivemos num mundo onde houve o processo de transferência do poder dos indivíduos para o Estado: estatização do pensamento. 

. O poder espiritual deve ser separado do temporal: o poder espiritual só é mantido à custa do sacrifício:

 1. Nosso Senhor se sacrificou pela salvação humana (soberania do poder espiritual); 

2. Sócrates se sacrificou pela soberania do poder da Filosofia, ou seja, da autoconsciência. 

OBS: René Girard afirma que a história humana é fundada por atos de violência; . A civilização humana foi construída por Cain, assassino de seu irmão Abel; 

. O desejo humano é MIMÉTICO e, quando não é satisfeito, recorre-se ao bode-expiatório (alguém que é injustamente responsabilizado por algo que não fez, ou seja, é escolhido para levar a culpa por uma situação negativa); 

. O modo como a sociedade resolve as tensões que podem gerar violência passa sempre pelo sacrifício de uma vítima inocente que, ao morrer em nome da culpa que não tem, recupera a unidade perdida da sociedade.

Carta aos Jovens sobre a Utilidade da Literatura Pagã - São Basílio

 


1. É preciso olhar para cima: buscar as coisas elevadas 


. Com a luz natural da razão, devemos buscar a verdade que está na realidade criada por Deus; 
. Devemos aproveitar “o que há de bom e útil, sempre sabendo aquilo que é preciso rejeitar”; 

2. Como podemos fazer essa distinção? 

. O que é bom é tudo o que me ajuda a alcançar a vida eterna; 

. “Ocuparmo-nos da leitura dos poetas, dos oradores, de todos os escritores que podem nos servir para aperfeiçoar nossa alma. Se quisermos imprimir em nós a ideia de beleza com força suficiente para que seja indelével, devemos nos iniciar nas letras profanas, antes de se empenhar no estudo das coisas sagradas. Primeiro devemos aprender a ver o reflexo do sol nas águas cristalinas e, depois, com a visão fortalecida, olhar diretamente para a luz pura.” (págs. 34-35); 

. Exemplos: “sabemos que Moisés, cuja sabedoria bem conhecemos, dedicou-se às ciências egípcias antes de se dedicar à contemplação das coisas do alto. No século seguinte, o profeta Daniel instruiu-se na sabedoria dos Caldeus da Babilônia, antes de se aplicar às ciências sagradas. Então, podemos concluir que as ciências profanas não são inúteis.” (pág. 38); 

. “A literatura profana nos ajuda a traçar o primeiro esboço da virtude.” (pág. 57); 

3. Conexão com Sócrates 

. São Basílio diz que devemos ouvir os que escreveram sobre a sabedoria louvando a virtude para “incorporar seus princípios à nossa conduta, pois só é sábio quem confirma sua filosofia pelas suas ações”. 

. Sócrates manteve-se fiel à sua filosofia quando fez a sua defesa com um único propósito: estabelecer a verdade.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Tartufo ou o Hipócrita Profissional

 


Molière (1622-1673) foi um dos mais célebres dramaturgos franceses da História. Era um autor satírico por excelência criando personagens estereotipados cuja caricatura extrema nos mostrava tipos humanos. O Tartufo, um de seus mais conhecidos personagens, era o farsante, ou nas palavras do saudoso professor Monir Nasser, o "hipócrita profissional". 

Nós, brasileiros, estamos rodeados de Tartufos: são os fazedores de discurso, ou melhor, os políticos e malandros do dia-a-dia. Todos já caímos no conto do vigário alguma vez na vida. Pois é, o vigário era um Tartufo. O pior é quando nós fazemos as vezes de vigário e viramos o Tartufo. 

A seguir, compartilho minhas notas da aula do professor José Monir Nasser sobre a obra de Molière.

Tartufo, de Molière

. Tartufo é a denominação dum tipo humano: é o sujeito hipócrita, fingido;
. Molière era um autor satírico, ou seja, usava o humor para fazer crítica social;
. A regra da sátira é estereotipar as personagens para que lidemos com elas da maneira mais emocional possível;
. A questão fundamental da obra é saber por que o Tartufo é um farsante, um mentiroso.
. Os tipos de mentira:
  1. Social: é aceitável, pois sem elas a vida em sociedade seria impossível. Ex: quando você pede para dizer que não está em casa, pois não quer aturar um vizinho mala.
  2. Enganar alguém: em alguns casos, é aceitável. Ex: mentir para um bandido sobre o lugar onde você escondeu o dinheiro.
  3. Patológica: chamada mitomania; o sujeito é mentiroso compulsivo. Ex: toda família tem um sujeito que, de tanto mentir, tornou-se folclórico.
  4. Mentira Existencial: é a mais grave, pois o sujeito não assume as responsabilidades por seus atos. Ex: O Médico e o Monstro - Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
. O Tartufo se encaixa no segundo tipo de mentiroso: o que visa um objetivo concreto enganando os outros.
. Por que, afinal de contas, um vigarista como este consegue tanto sucesso?
    • É o "hipócrita profissional" - o sujeito que comete as maiores barbaridades, mas persegue e patrulha a vida alheia como exercícios de pequena moral.
    • O Tartufo é o modelo do político moderno, do militante intelectual moderno, é o roqueiro que é contra o capitalismo, mas que lucra milhões vendendo discos pelo sistema que critica.
    • Essa gente que se acha acima do bem e do mal são todos "tartufos";
. Quais são os instrumentos do Tartufo?
  • Tem que estar munido de valores que não são dele - valores maiores, e que os outros aceitem como tal;
  • Tem que parecer não ter vantagem em defender os seus valores;
  • Tem que contar a história certa, ou seja, ter alguma retórica;
. Caso queira aprender como manipular o mundo, basta aplicar esses três truques.

Link da aula na íntegra do saudoso professor José Monir Nasser - https://www.youtube.com/watch?v=rsSIatdN-k8


Atividade de Criação com Machado de Assis

Veja como é original o capítulo XLV de Memórias Póstumas , onde Brás Cubas fala do enterro de seu pai: "Soluços, lágrimas, casa armada,...