domingo, 27 de abril de 2025

Um Impressionante Modo de Oração

 


O Senhor do Mundo

Robert Hugh Benson

Padre Percy Franklin começou, como era seu costume em oração mental, por um ato calculado de auto exclusão do mundo dos sentidos. Com a imagem de um mergulho sob uma superfície, ele se esforçava a ir abaixo e para dentro, até que o forte som do órgão, o barulho dos passos, a rigidez do espaldar do banco sob seus pulsos - até que tudo lhe parecesse à parte e externo, e ele fosse uma simples pessoa com o seu coração a bater, um intelecto que sugeria imagens após imagens, e emoções que eram demasiado apáticas para se agitarem.

Em seguida fez a sua segunda descida, renunciou a tudo que possuía e era e fez-se consciente de que até o corpo fora deixado para trás, e que sua mente e seu coração, aterrorizados pela presença nos quais encontravam a si próprios, agarravam-se rente e obedientes à vontade que era seu Senhor e Protetor. Daí outro longo suspiro como sentisse a presença atirar-se sobre ele; repetiu algumas palavras mecânicas e mergulhou naquela paz que se segue à renúncia do pensamento.

Ele agora estava dentro do véu das coisas, além das barreiras dos sentidos e da reflexão, naquele lugar secreto cujo caminho ele havia aprendido com um esforço sem fim, naquela estranha região onde as realidades são evidentes, aonde as percepções vão e vêm com a rapidez da luz, onde a verdade é conhecida e tocada e provada, onde o Deus Imanente é um só com o Deus Transcendente, onde o sentido do mundo externo é evidente desde sua face interna e a Igreja e seus mistérios são vistos desde dentro de uma bruma de glória.

Em seguida esperou por respostas, e elas vieram tão suaves e delicadas, passando como sombras, de modo que sua vontade suou sangue e lágrimas no esforço de apanhá-las e determina-las e de com elas se harmonizar.

(Trecho retirado da nova edição da Editora Sétimo Selo)

 


quarta-feira, 23 de abril de 2025

A Vida Intelectual - A. D. Sertillanges

 


A Vida Intelectual: Seu espírito, suas condições, seus métodos

Por A. D. Sertillanges

CAP. 1 – A VOCAÇÃO INTELECTUAL

. Ser um Intelectual é desenvolver uma ação sagrada;

·       Consagrado à Verdade (Sacerdócio);

. “É preciso entregar-se de todo o coração para que a verdade se entregue. A verdade só está a serviço de seus escravos.”

·       É necessário deixar as vaidades (o propósito da vida de estudos deve ser desinteressado);

CAP. 2 – AS VIRTUDES DE UM INTELECTUAL CRISTÃO

. As qualidades do caráter devem guiar o intelecto;

·       Sem as virtudes, o sentido das grandes verdades são deturpadas pelos vícios que deformam a maneira como compreendemos a realidade.

CAP. 3 – A ORGANIZAÇÃO DA VIDA

. Simplificar: “Reduzam suas atividades sociais: (...) todo o complicado ritual de uma vida artificial.”

“Cultivar os relacionamentos necessários.”

. "Sem as virtudes o sentido das grandes verdades sofre consequências nefastas dos vícios que deformam a maneira como enxergamos a realidade."

. Conservar a solidão: “Quero que sejas lento para falar e lento para dirigir-te ao parlatório.” (Sto. Tomás de Aquino);

“O retiro é o laboratório do espírito.”

. Os momentos de solidão devem preparar-nos para a ação: “A ideia, em nós, quando privada de seus elementos tirados da experiência, de seus fantasmas, não é senão um conceito vazio, que nem se percebe mais.”

“O pensamento se apoia nos fatos como o pé sobre o solo.”

“Um intelectual deve ser intelectual o tempo todo.”

CAP. 4 – O TEMPO DO TRABALHO

. O estudo como “ORAÇÂO À VERDADE”;

·       É preciso orar em todo momento equivale, pois, a dizer: em todo momento é preciso desejar as coisas eternas.”

·       ORAÇÃO como expressão de um desejo [das coisas eternas] - O desejo deve ser constante;

“As ideias estão nos fatos, elas estão também nas conversas, nos acasos, nos espetáculos, nas visitas e perambulações, nas leituras mais corriqueiras.”

·       É preciso estar presente no que se vive para identificar os “instantes de plenitude” (Picos de nossa vida intelectual);

CAP. 5 – O CAMPO DO TRABALHO

. “Quando se acessa o centro das ideias, tudo fica mais fácil, e qual o melhor meio de ter acesso ao centro senão testando diferentes vias...”

. Sobre a ABSTRAÇÃO: “Abstrair não é mentir, mas com a condição de que a abstração que distingue, que isola metodicamente, que concentra sua luz num dado ponto, não vá separar do que ela estuda o que lhe está mais ou menos diretamente relacionado. Cortar as comunicações de seu objeto é falseá-lo, pois suas conexões fazem parte dele.”

. Evitar a ESPECIALIDADE (especializações científicas);

·       “Toda ciência, cultivada em separado, não só não se basta a si mesma, mas apresenta perigos que todos os homens sensatos reconheceram.”

. HIERARQUIA DO CONHECIMENTO:

·       “As ciências, sema filosofia, se descoroam e se desorientam.”

·       (Atualmente) a Teologia está sendo ignorada, a filosofia é estéril, ela não tem voz ativa em nada.”


. “A Teologia, dizia o padre Gratry, veio inserir na árvore da ciência um enxerto divino.”

·       Restituir o sentido da existência que leva até o princípio primeiro: DEUS.

. É de fundamental importância ter uma ideia que unifique seus estudos: o autor indica o TOMISMO como sendo soberana enquanto fio condutor das ciências.

“O tomismo é uma síntese. Não é, por esse motivo, uma ciência completa; mas a ciência completa pode apoiar-se nele como num poder de coordenação e de sobre-elevação quase milagroso.”

. A Especialidade só faz sentido após acurado processo de compreender tudo.

Em outras palavras, é preciso compreender tudo, mas com o objetivo de conseguir fazer alguma coisa.”

CAP. 6 – O ESPÍRITO DO TRABALHO

. O intelectual deve estar atento ao “espírito do verdadeiro”;

. Ativar o FERVOR; Evitar a indolência: “Tu, ó Deus, Tu vendes todos os bens aos homens pelo preço do esforço”, escrevia Leonardo Da Vinci Em suas anotações.

. A concentração deve ser o pleno entregar-se ao trabalho (estudo);

·       Conferir profundidade à análise de uma ideia;

“Conduzir adequadamente suas investigações e centralizar adequadamente seus trabalhos, nisso consistiu toda a arte dos grandes;”

. Cultivar a humildade perante a verdade (razão de ser do Intelectual): “a humildade é o olho que lê no livro da vida e no livro do universo.”

“Uma vasta cultura, ao se instalar no espírito, cria nele novos pontos de partida e aumenta sua capacidade; porém, sem a humildade, essa atração exercida sobre o exterior se tornará por sua vez uma fonte de mentiras.”

“Cedendo diante do verdadeiro e verbalizando-o para nós mesmos da melhor maneira possível, mas sem cometer alteração criminosa, prestamos um culto ao qual o Deus interior e o Deus universal responderão revelando sua unidade e estabelecendo uma ligação com nossa alma. Nisso como em tudo, é a vontade pessoal que é a inimiga de Deus.”

·       O problema da Ciência Moderna: “Isolo uma peça de um mecanismo para vê-la melhor; mas, enquanto eu a seguro e meus olhos a observam, meu pensamento deve mantê-la em seu lugar, acompanhar seu desempenho no conjunto todo, do contrário estou alterando a verdade tanto no todo que ficou incompleto quanto na engrenagem que se tornou incompreensível.”

. Devemos preservar o senso de mistério: “Os que pensam tudo compreender só com isso já provam que não compreenderam nada.”

“Santo Tomás, no fim da vida, tomado pelo sentimento do mistério de tudo, respondia ao frei Réginald, que o incitava a escrever: “Réginald, não me é mais possível: tudo o que escrevi não me parece nada mais do que palha”.


terça-feira, 22 de abril de 2025

A Fé Revolucionária - James Billington

 


Estou longe de terminar a leitura da obra, mas registro algumas notas:

Introdução

  • O objetivo do livro é rastrear as origens da fé de nossa época: a fé revolucionária;
  • Dogma: a crença de que a ordem secular perfeita surgirá da derrubada violenta da autoridade tradicional;
  • Sacerdotes: os revolucionários forjadores de uma nova tradição;
  • Contexto histórico: fim do século XVIII (Revolução Francesa) até o início do século XX (Recolução Russa);
  • É típico do revolucionário europeu do século XIX ser um pensador entusiasmado por 'ideias';
  • Conclusões gerais do autor: 1. A fé revolucionária foi moldada pelo ocultismo e proto-romanismo da Alemanha: "Essa fé foi incubada na França durante o período revolucionário junto a uma pequena subcultura de literatos que estavam imersos no jornalismo, em sociedades secretas e que logo depois se deslumbraram com 'ideologias' enquanto sucedâneos seculares da crença religiosa." (pág. 96); 2. Os revolucionários profissionais buscaram, durante a Revolução Francesa, a subversão das palavras liberdade, igualdade e fraternidade. 
  • LIBERDADE: ligada às revoluções anteriores (Holanda do século XVI; Inglaterra do século XVII; Estados Unidos do século XVIII);
  • IGUALDADE: relacionada ao socialismo;
  • FRATERNIDADE: realacionada ao nacionalismo;
  • O imaginário revolucionário foi influenciado, ao longo do século XIX, pelo exemplo nacional francês e o ideal republicano;     
  • Conceitos dominantes: 1. Nacionalismo revolucionário; 2. Revolucionários sociais;
  • Os revolucionários sociais desafiaram os naconalistas após as revoluções de 1820, criando-se uma tradição socialista (mudança da causa nacional para social);
  • "Não menos fatal que o cisma entre revolucionários nacionais e revolucionários sociais foi o conflito, no seio dos revolucionários sociais, entre Marx e Proudhon, iniciado em 1840". (pág. 17);
  • A tradição revolucionária como oposição político-ideológica ao catolicismo autoritário (França, Itália e Polônia) e autocracias fundamentadas religiosamente (Prússia luterana, Rússia ortodoxa);
  • Os revolucionários mais devotos e profissionais tenderam a se tornar a mais excepcional forma de crente convicto: o militante ateísta da nascente religião secular;
  • "A chama da fé começará suas migrações um século antes (meados do século XVIII), quando alguns aristocratas europeus transferiram suas velas acesas de altares cristãos para lojas maçônicas." (pág. 19);

Cap. 1 - Encarnação

  • Profecia (IDEIA - Iluminismo) e encarnação (FATO - Revolução Francesa) - Segunda Vinda de 1917 (Revolução Russa);
  • A revolta holandesa contra a autoritária Espanha foi chamadade primeira revolução moderna e “mais antiga expressão moderna de idéias democráticas”. (pág. 38);
  • A crise da consciência européia no fim do século XVII: cansaço de conflitos religiosos; entusiasmo com o método científico moderno;
  • O Iluminismo do século XVIII começou a ver a antiguidade greco-romana como alternativa secular à cristandade;
  • O termo 'revolução gloriosa' (Inglaterra em 1688) introduziu, pela primeira vez, a revolução num ideal político;
  • A importância da Revolução Francesa: 1. Representou uma sucessão de novidades sem precedentes; 2. Criou-se novo léxico políticop centrado na palavra 'democracia' e numa nova compreensão da revolução como fonte sobre-humana que conduz a história humana. (pág. 43)
  • A Revolução Francesa em sua essência foi o fato bruto que originou a crença moderna de que a revolução secular é históricamente possível;

O que aprendi com meus alunos

 


Dou aulas na rede pública desde 2010. Na verdade, eu comecei em sala de aula ainda quando era estudante do ensino médio (na época, segundo grau) no ano de 2004. Fui monitor no programa Sucesso Escolar, do governo do estado do RJ, onde dava aulas de reforço, sob supervisão de professores, a alunos com dificuldades. Há mais de 15 anos, trabalho com educação de jovens e adultos - o meu querido noturno - onde vivenciei diversas experiências com os senhorzinhos e senhorinhas que sempre me trataram com muito carinho e respeito, o que não posso dizer dos mais jovens.

Costumava passar uma atividade, durante as aulas de Filosofia, onde os alunos escreviam os temas que eram vitais para eles, assuntos que realmente lhes interessavam em suas vidas concretas, fora da escola, ou seja, fora de um ambiente em que não fosse preciso fingir interesse apenas para conseguir nota. O que mais chamou minha atenção foi a diversidade de temas pertinentes à realidade da vida como ela é e como a escola está há milhas de distância do que realmente importa para o seu público, afinal a maioria dos alunos estão na escola obrigados devido a uma série de exigências sociais e profissionais - além do assistencialismo barato promovido pelo governo. Compartilho a relação de assuntos propostos pelos alunos: 

  • Deus: a ação divina no mundo;
  • Respeito: 'o povo pobre sofre muito desrespeito';
  • Família e vida;
  • Vida e a morte: 'como deve ser o processo de uma pessoa que vem a falecer?'
  • Família: dificuldades no relacionamento familiar;
  • Solidão na viuvez;
  • Frustrações: como lidar.
  • Maternidade: 'Como saber se sou perfeita como mãe?'
O grande problema da rede pública em geral é a total desconexão dos assuntos tratados em sala de aula com a real substância do dia-a-dia do aluno. Essa atividade que fiz com os alunos foi muito preciosa pra mim, pois, desde então, tomo o máximo cuidado em sempre direcionar o conteúdo de minhas aulas para ajudar os alunos a resolverem problemas concretos da vida real - e não situações abstratas de conteúdos deslocados da realidade da vida. A meus alunos, o meu muito obrigado por me chamarem de volta à realidade.

O Futebol como Metáfora Antropológica


Quando vi o livro A Dança dos Deuses: futebol, cultura, sociedade dando sopa na finada livraria Itatiaia, em Duque de Caxias, comprei-o na hora. Era o ano de 2008, ainda estava na faculdade de História e tive sorte de encontrar a obra naquele momento, pois o futebol como tema histórico me interessava muito, tanto que escrevi, alguns anos depois, um artigo sobre os times de várzea de Duque de Caxias durante as décadas de 50 e 60.

A obra, escrita pelo lendário historiador Hilário Franco Junior, mudou minha visão do velho esporte bretão. Trata-se de uma análise completa sobre os aspectos não só históricos, mas sobretudo sócioculturais do futebol na formação do mundo moderno. A simbologia do futebol é abordada na formação das identidades coletivas. É uma obra obrigatória para os amantes da pelota. 

Deixarei registrado minhas anotações sobre o capítulo 6 - Metáfora Antropológica:

  • Conceito de clã: é um grupo que acredita descender de um ancestral comum, mais mítico que histórico, contudo vivo na memória coletiva. (pág. 214);
  • "O clã tem base territorial, mas quando precisa mudar de espaço (jogar em outro estádio) não se descaracteriza. Em qualquer lugar, os membros do clã se reconhecem (...) pelo nome, brasão e totem." (pág. 2015);
  • Características definidoras do clã: NOME, BRASÃO E TOTEM (segundo o sociólogo e antropólogo Marcel Mauss);
  • NOME: "identifica os indivíduos e permite comportamento diferenciado a fim de revelar pretensa superioridade em relação aos outros, justificar a razão da adesão a ele" - adesão por sentimento a uma região, um bairro, um clube famoso;
  • BRASÃO: "o escudo dos clubes de futebol constitui seu símbolo (sinal de reconhecimento) maior. O escudo é praticamente a síntese material do clube, sua corporificação" - as cores desempenham papel central (pág. 217), pois definem a identidade comunitária: 'a escolha das cores serve para cada clube construir a imagem que deseja ter para as outras comunidades'.
  • TOTEM (mascote): "indica objeto que serve ao mesmo tempo de identificador de pertencimento à comunidade e de cimentador dessa identidade coletiva" - sociedade totêmica (pág. 220);
  • Roger Chartier: em todo fenômeno humano existe 'uma representação da sociedade por ela mesma' (pág. 222);
  • Futebol, simbolicamente uma festa (pág. 246): "Não é uma festa qualquer. Festa arcaica, profundamente ritualizada, festa que envolve toda a sociedade, que cumpre o papel de exutório (escoamento) para suas disfunções internas e externas".
  • "Os códigos sociais e morais são reforçados ou quebrados na festa, quando se come, bebe, veste, fala e se estabelecem laços pessoais diferentemente ds situações comuns."




segunda-feira, 21 de abril de 2025

Notas dA Educação da Vontade


"A causa de quase todos nossos fracassos, de quase todos nossos males, é uma só: a fraqueza da vontade. É nosso horror do esforço, principalmente do esforço prolongado."


Revirando minhas anotações, achei umas notas que escrevi à época em que li o clássico A Educação da Vontade, de Jules Payot. Publicado em 1894, a obra é fundamental para nossa época onde somos escravos de nossa vontade desordenada. Eis o que anotei do livro:

As Alegrias do Trabalho

  • Vida sem sentido:                                                      
Desperdiça o tempo em ocupações frívolas;                        
Vazio Existencial;                                                                  
Desconexão com o passado;                                                  

  • Vida com sentido
Utiliza o tempo em ocupações duradouras;
Sua vida identifica-se com suas obras;
O presente é a extensão natural do passado.

  • O risco de cairmos nesta condição de falta de sentido faz parte da própria realidade;
  • A velhice, quando direcionada aos interesses elevados, multiplicam as alegrias da vida.        

Os Recursos do Meio

  • A educação da vontade deve ser bem orientada por opiniões/orientações alheias;
  • Escolha seleta dos pares (amigos) para um ambiente de trocas de idéias;
  • O imaginário do grupo deve ser orientado por algo mais elevado;
  • Acúmulo de matérias a serem estudadas (erudição vazia) é distanciamento do que é essencial;
  • "O número de fatos não é nada; sua qualidade é tudo."
  • Papel central do professor como exemplo;
  • Seguir/aprender com os exemplos das grandes almas;
  • Conclusão: é possível educar nossa vontade, com paciência e esforço voosa atenção para o aperfeiçoamento interior.

sábado, 19 de abril de 2025

O Maior Enxadrista de Todos os Tempos

 


François André Philidor reinou, absoluto, como melhor jogador de xadrez do seculo XVIII. Ele venceu todos os grandes jogadores da época, além de ter sido um grande especialista em partidas às cegas realizadas no templo sagrado do xadrez: o Café de la Regence, na França. À sua paixão pelo xadrez também compartilhava o ofício de músico, área em que se destacou, principalmente compondo óperas. Baseada na história de Tom Jones, Philidor compôs a ópera homônima contando as peripécias do protagonista. 


O grande legado de Philidor no xadrez foi sua obra Análisis del juego del ajedrez que revolucionou a teoria do jogo, destacando a importância dos peões como elemento central de estratégia. As futuras escolas posicionais utilizaram os ensinamentos de Philidor para desenvolverem suas teorias. Além disso, foi o primeiro jogador a análisar o final de torre e bispo contra torre, um dos mais difíceis do xadrez. Se não bastasse, ainda deixou a Defesa Philidor, muito utilizada pelos jogadores.


A obra-prima de Philidor


Por ter sido um dos grandes da história não só do xadrez, mas das artes humanas, Philidor está no topo da minha lista como maior gênio do xadrez de todos os tempos. Eis o famoso Mate de Philidor onde as brancas jogam e dão mate numa sequência de sacrifício de Dama sensacional:


                                                      1. Cf7+     Rg8
                               (Se 1...   Txf7 2. Wxc8+   Tf8 3. Dxf8 mate.)
                                                      2. Ch6+    Rh8
                                                      3. Dg8+    Txg8
                                                      4. Cf7 mate.

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Os Momentos Privilegiados da Vida


 "Há na vida momentos privilegiados nos quais parece que o Universo se ilumina, que nossa ida nos revela sua significação, que nós queremos o destino mesmo que nos coube como se nós próprios o tivéssemos escolhido. Depois o Universo volta a fechar-se: tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos se não tateando por um caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo a nossos passos. A sabedoria consiste em conservar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver, em fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada espiritual de nosso espírito."
Louis Lavelle


"Para todo homem e para cada acontecimento há um minuto, uma hora, soa uma certa badalada, em que ele próprio se torna história."                                                                                                     Péguy


Você já parou pra pensar em todos os momentos que te fizeram ser o que és? Todos os acontecimentos que marcaram nossa trajetória, sejam eles bons ou ruins, nos moldaram até o presente momento. Somos o resultado deles. Porém, há outro nível de experiência, que raramente fruimos, a que Louis Lavelle se refere em sua transcendental afirmação: momentos privilegiados

Se fizermos uma analogia com o cinema são aqueles momentos-chave do filme quando o sentido profundo da obra se descortina perante nossos olhos e compreendemos a mensagem em sua totalidade. Partindo do princípio de que cada um de nós somos filmes - ou Histórias - ambulantes, devemos nos perguntar sempre: estou consciente desses momentos privilegiados nos quais parece que o universo se ilumina? Ou, se me permite ir mais fundo, será que os vivi plenamente?

Na literatura, um desses momentos privilegiados é vivido por Stepan Trofímovitch - "o velho" - intelectual decadente que fez a cabeça de inúmeros jovens revolucionários no romance Os Demônios, de Dostoievski. Eis o que ele revela, nos últimos momentos, à sua amiga de longa data:

"Minha amiga, eu menti durante toda a vida. Mesmo quando dizia a verdade. Nunca falava pela verdade, mas apenas por mim próprio, sempre o soube, mas só agora o vejo claramente... Oh, onde estão os amigos a quem eu insultei com a minha amizade durante toda a vida? e a todos, a todos! Savez-vous, se calhar estou mentindo também agora, por certo estou mentindo. O pior é que eu próprio acredito nas minhas mentiras. O mais difícil na vida é viver e não mentir... e... e não acreditar na nossa própria mentira, sim, sim, exatamente! Mas, espere, isso tudo depois... Agora estamos juntos, juntos! (...) Oh, gostaria de viver outra vez! - exclamou ele, num fluxo de energia. - Cada minuto, cada instante da vida têm de ser uma bem-aventurança para o homem... têm de o ser, necessariamente! É obrigação do próprio homem organizar as coisas assim, é a lei por que deve reger... uma lei oculta, mas que existe de certeza..."


Quantos de nós teremos a graça divina de contemplar conscientemente momentos como este de Stepan? Em que o véu da aparência material cai ante nossos olhos e conseguimos enxergar as coisas como elas realmente são: eternas.
 

O Brasileiro que Construiu um Império


 "As três coisas que ele mais amou na vida: o poder, a arte e mulher pelada." 

A afirmação acima encerra a biografia de Assis Chateaubriand escrita, de forma magistral, por Fernando Morais. Em Chatô: O Rei do Brasil somos apresentados ao homem mais poderoso do Brasil no século XX - pelo menos, até os anos 60. Nascido em Umbuzeiro, na Paraíba, em 1892, Francisco de Assis demorou para ser alfabetizado, mas adquiriu sólida formação cultural e filosófica estudando obras clássicas em alemão.

Entrou para o mundo do jornalismo no final da primeira década do século XX, período auge da República Velha no Brasil - 1889 a 1930. Chatô se destacou como jornalista através do meio mais comum à época: a polêmica. Após trocar farpas com figurões como Sílvio Romero, Chatô foi para a Capital Federal - e cultural - do Brasil, o Rio de Janeiro, em busca de se consolidar no meio jornalístico.

Chateaubriand conseguiu se integrar à vida intelectual e política do Rio de Janeiro através do investimento na "ampliação de seu cartel de amizades influentes" com o objetivo de realizar o grande sonho de comprar um jornal. Por isso, em 1924, aos 31 anos, "Chatô tinha acumulado enorme prestígio (...) e era inegavelmente uma figura influente entre político e emprersários das, na época, chamadas 'clases conservadoras'." 

O principal capital acumulado pelo jornalista não era material, mas abstrato: as amizades. Uma das mais bem sucedidas foi, certamente, a que teve com Getúlio Vargas que, ainda deputado no final dos anos 20, disse a Chatô o seguinte: "Mais do que qualquer outra coisa, este país precisa de instituições que lhe dêem unidade. Cada estado brasileiro é uma ilha voltada de costas para as outras, como se fossem países diferentes. A cadeia de jornais que tu projetas pode ser um embrião da unidade nacional por que eu tanto luto. Se precisares de ajuda para a realização de seus planos, podes contar comigo."

Getúlio cumpriu a risca a promessa feita a ponto de, anos depois já como ditador em 1943, alterar a legislação sobre o reconhecimento dos filhos naturais apenas para favorecer Chatô que, na época, disputava a guarda da filha Teresa com a mãe da menina. A cumplicidade entre os amigos foi tão descarada que o decreto-lei feito sob medida para agradar o jornalista ficou conhecido como "Lei Teresoca".
 
Assis Chateaubriand foi chamado de Cidadão Kane brasileiro em alusão ao magnata das comunicações norte-americano Wiliam Randolph Hearst cuja vida teria inspirado o diretor Orson Welles a criar sua obra-prima do cinema. O certo é que Chatô também poderia ganhar o apelido de outro ícone da sétima arte, Dom Corleone, devido à sua impressionante rede de amizades que lhe rendiam favores financeiros e morais inigualáveis. O poderoso chefão tupiniquim criou uma das maiores cadeias de telecomunicações do mundo, os Diários Associados, com mais de uma centena de veículos entre jornais, rádios, revistas e emissoras de TV que controlaram a opinião pública nacional durante décadas além de ajudar à eleição de inúmeros presidentes - de Getúlio à JK - e arruinar a reputação dos opositores. 

Ao ler a biografia de Chatô, entendi mais sobre a História do Brasil no século XX do que se tivesse lido manuais didáticos ou acadêmicos. A trajetória do ícone da telecomunicação do Brasil é um prato cheio para reteiristas de séries. Daria uma trilogia de três horas cada parte tamanho foi seu peso na vida pública brasileira. Sua sanha por poder o levou até ao Senado e, até, ao mundo das Artes tendo criado o Museu de Arte de São Paulo. Leitura obrigatória para todos que querem realmente entender o que se passou no país durante a primeira metade do século passado.

Como alternativa, deixo o link do trailer do filme baseado na biografia de Chatô: https://www.youtube.com/watch?v=LkOnT0lS3rQ&t=1s

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O Incrível Momento de Anos Incríveis




Quando Kevin Arnold decidiu caminhar após receber a trágica notícia da morte de seu jovem vizinho, ele não poderia imaginar que, ao final de sua jornada pelos arredores do bairro, iria encontrar a razão de ser de seus dias de adolescente: Winnie Cooper que também era irmã do morto. Ao final do episódio, a narração em off do protagonista (um Kevin já adulto) nos dá o tom de importância do encontro:


"Era o primeiro beijo para nós dois. Nunca falamos sobre isso depois, mas penso sempre nos acontecimentos daquele dia e, de alguma forma, sei que ela também. E sempre quando algum garganta começa a falar sobre o anonimato do subúrbio ou a inconsciência da geração da TV. Porque sabíamos que dentro de cada uma daquelas casas idênticas com seus dodges estacionados na frente, seu pão de forma sobre a mesa e o azul brilhante do aparelho de TV no cair da noite, vivem pessoas com suas histórias: famílias unidas na dor e na luta do amor. Existiam momentos que nos faziam chorar de tanto rir e outros, como aquele, de perplexidade e tristeza."


A cena pertence ao primeiro episódio da série Anos Incríveis cuja exibição no Brasil marcou época no ínicio dos anos 90. Lembro-me de inúmeras noites assistindo as temporadas em  minha humilde casa do subúrbio do subúrbio do Rio de Janeiro. A nostalgia invade o meu ser toda vez que revejo ou recordo das aventuras e dilemas das personagens.

Hoje, procuro na neblina da minha memória reviver o momento exato que, assim como Kevin, eu vagava pelas ruas sem saber direito o que esperar da vida. Talvez aguardava encontrar a razão de ser dos meus dias de adolescente. Não sei se conseguirei encontrar essa recordação, nem mesmo se ela existiu na realidade de algum dia, mas conto com esse episódio da série para me ajudar a admirá-la, mesmo que seja pelos olhos - e narração - de Kevin Arnold.


Atividade de Criação com Machado de Assis

Veja como é original o capítulo XLV de Memórias Póstumas , onde Brás Cubas fala do enterro de seu pai: "Soluços, lágrimas, casa armada,...